Segunda-feira, 7 de setembro. Dentro de um estúdio da TV Bandeirantes, 190 jovens se espremem numa arquibancada improvisada. Estão ali já há uma hora. São 22h26 e todos escutam o áudio, sem ver as imagens, do programa “Videonews”, que a emissora exibe naquele momento. De repente, de forma abrupta, a apresentadora avisa: “A seguir, CQC”. De frente para a plateia no estúdio, a produtora Mariana Nagata de Cicco pede palmas e aplausos. A galera urra de alegria. O chão treme.
- Veja o fotoshow do que acontece por trás das câmeras do "CQC"
Flávio Torres/Fotomidia |
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À "paisana", Marco Luque e Rafinha Bastos aguardam no camarim o início do programa |
Aguardando num canto improvisado atrás do palco, os apresentadores Marcelo Tas, Rafinha Bastos e Marco Luque entram em cena e assumem seus lugares na bancada. É tudo muito rápido. Sem intervalos comerciais, está começando a edição número 69 do “CQC”, “o programa da família brasileira”, como anuncia Marcelo Tas, sublinhando a ironia involuntária entre o lema da atração, o número da edição e o feriado nacional. “O programa de hoje está patriota e sem vergonhinha”, avisa o apresentador. A plateia vai ao delírio.
Lançado em março de 2008, o “CQC” cumpre sua segunda temporada de sucesso no Brasil. Programa de atualidades, comenta notícias da semana misturando jornalismo com humor e pegadinhas – um modelo polêmico, criado na Argentina em 1993, onde ocupa o horário nobre da principal emissora do país. Com média de 5 pontos no Ibope, dobrou a audiência que a Band obtinha no horário.
Criação da produtora Cuatro Cabezas, que o co-produz com a Band no Brasil, o “CQC” é um programa argentino que fala português. Uma mistura que dá muito certo, mas não deixa de produzir faíscas, constatou a reportagem do Último Segundo, presente no estúdio da Band desde as 19h para acompanhar os bastidores do programa.
No camarim do CQC já estão os três apresentadores e os dois roteiristas, Alex Baldin e Marco Aurélio Góes dos Santos. Prosaicos sanduíches de metro, encomendados numa padaria, e latinhas de Coca-Cola estão à disposição da equipe. Um dos apresentadores pede para não ser fotografado com o refrigerante, já que a rival Pepsi é uma das patrocinadoras do programa.
Tas nega interferência de Lula
Às 19h30, cinco estudantes da Faculdade Anhembi Morumbi chegam para entrevistar Tas. O apresentador será tema de um livro biográfico, a ser apresentado como trabalho de conclusão de curso. A primeira pergunta é boa: “Você fala que não se preocupa em saber se o ‘CQC’ é um programa de jornalismo ou entretenimento. Mas se preocupa com a ética? Já aconteceu de o programa ultrapassar a linha?”
“Sim”, responde Tas. “O programa já extrapolou o limite do respeito e da ética. Mas os meninos (os repórteres e demais apresentadores) ouvem muito. A gente conversa”, diz, garantindo que discutem em equipe tudo que acontece, para não repetir os erros.
As meninas perguntam a Tas sobre as dificuldades de fazer o “CQC”. O apresentador comenta: “O chato é que a gente é um programa jornalístico, mas com exigência técnica de um programa de ficção. Acho que dá para fazer o ‘CQC’ mais leve.” Só isso? “Outra coisa chata são os telefonemas que recebo, especialmente com o prefixo 61 (de Brasília).”
É verdade, perguntam, que o presidente Lula pediu ao “CQC” para pegar mais leve? “Mentira. Não tem nenhum fundamento”, diz. “Estou vivendo um papel novo aqui. Defender a linha editorial do programa. Negociar, convencer, explicar. Porque o programa até hoje é visto como um óvni.”
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O apresentador Marcelo Tas conversa com estudantes do jornalismo sentado na plateia |
Show de piadas no camarim
Às 20h10, voltamos para o camarim. Com 2 metros de altura, apesar do nome no diminutivo, Rafinha Bastos conta uma piada atrás da outra. Parece estar encenando “A Arte do Insulto”, o espetáculo de stand-up comedy que apresenta.
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Luque brinca com boneco em miniatura |
Rafinha relata que uma vez um fã reclamou com ele sobre a insistência de suas piadas sobre a sexualidade dos gaúchos. “Dá uma força aí para quebrar esse estigma”, pediu o fã, gaúcho. “E o pior é que o cara era de Pelotas”, ri o humorista.
“Os estereótipos pegam porque em algum momento alguém se sentiu ofendido”, teoriza Rafinha. Marco Luque entra na conversa e faz piada sobre a sexualidade de Rafinha, que ouve a provocação sem responder.
Alex e Marco Aurélio, os roteiristas, explicam que escrevem piadas de acordo com o perfil de cada um: “Rafinha é mais ‘agressive’, faz piadas autodepreciativas e piadas de referência”, diz Alex. “O Luque é mais nonsense, mais insano. Exploramos elementos biográficos dele”, continua. “Eles criaram um monstro”, reage Luque.
Qualquer deslize é motivo de piada entre humoristas afiados. A tevê no camarim exibe uma longa reportagem sobre Cauby Peixoto. Marco Aurélio pergunta: “Cauby morreu?”. E Rafinha emenda: “Vai sentir saudades dele?”
Pegando no pé do argentino
Chega ao camarim, por volta das 20h30, o diretor Juan Buezas. Há dez anos na Cuatro Cabezas, na Argentina, Buezas assumiu este ano a direção do “CQC” brasileiro. Substituiu Diego Barredo, que agora é o responsável por todas as operações da produtora no Brasil (eles produzem também o “E24” na própria Band e preparam um novo programa para 2010).
Faltam menos de duas horas para o CQC entrar no ar e é chegada a hora de repassar o roteiro do programa. Marcelo Tas, porém, ainda está atendendo as estudantes de jornalismo. Buezas parece tenso, mas aceita sem reagir as piadas de Rafinha, Luque, Alex e Marco Aurélio sobre a derrota da Argentina para o Brasil, no sábado.
Às 20h45, Marco Luque começa a se vestir. Num canto do camarim, há três jogos com os ternos pretos que os apresentadores vestirão durante o programa. Um pedaço de papel identifica cada um. O de Marcelo Tas está escrito “Marcelo Taz” – o que é motivo para mais piadas.
Tas chega ao camarim, finalmente, e a reportagem do Último Segundo é convidada a se retirar. Buezas explica que a reunião às vésperas de o programa ir ao ar é fechada. Superstição.
Na maquiagem, “Caminho das Índias”
No pátio interno da Band, os jovens que conseguiram ingresso para assistir o “CQC” se aglomeram, cantam, gritam e se fotografam. “Já temos plateia agendada até o fim do ano”, explica uma produtora.
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Rafinha Bastos na sala de maquiagem; na televisão, novela da emissora concorrente |
A reunião de passagem do roteiro, que normalmente dura uma hora, é encerrada em pouco mais de 40 minutos. Já vestidos com seus ternos pretos, os apresentadores correm para a sala de maquiagem. Boris Casoy, apresentador do telejornal que vai ao ar depois do “CQC”, está acabando de ser maquiado. Na tela da televisão dentro da sala, a maquiadora acompanha “Caminho das Índias”, a novela da concorrente Globo.
Nesta segunda-feira, há uma excitação maior no ar. Pela primeira vez, haverá uma disputa ao vivo pela eleição do oitavo integrante do “CQC”, um concurso que atraiu milhares de candidatos e está chegando à reta final. Quatro dos últimos oito candidatos vão aparecer no programa e dois serão selecionados para a penúltima etapa.
Diego Barredo explica o que o “CQC” está procurando: “Alguém diferente dos que já temos. Tem que ser esperto, engraçado...”. Tas acrescenta: “Há diferentes visões aqui dentro sobre isso. Estou alinhado com o Barredo. Quero ser surpreendido. Quero alguém que traga algo que a gente não tenha pensado”.
Rafinha se aproxima, na porta da sala de maquiagem. Diz que o fato de conhecer um dos oito finalistas, o humorista Rogerio Morgado, não influi em nada. “Ele não pode ser prejudicado pelo fato de a gente se conhecer. Aliás, acho até que prejudica”.
Na sala de controle
São 22h. Faltam 20 minutos para o programa ir ao ar. Estão todos prontos e maquiados. Rafinha e Luque se dirigem para o palco e começam a animar a platéia com piadas. Fazem uma espécie de stand-up para “aquecer” o público. Tas se dirige à sala de controle, o chamado “switcher”, onde ficam os diretores e editores.
O apresentador quer ver os vídeos escolhidos pela produção para o quadro “Top 5”, que apresenta semanalmente imagens engraçadas ou bizarras. Com o roteiro em mãos, o apresentador faz anotações, que o ajudarão, ao vivo, minutos depois, a apresentar cada um dos vídeos.
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O diretor Juan Buezas acerta detalhes com os já apresentadores a postos na bancada |
Às 22h15, Tas desce do “switcher” e se dirige para o palco. Pelo microfone, aberto, o diretor Juan Buezas avisa: “A qualquer momento entramos”. O “CQC” não tem um horário exato para começar. Entre 22h15 e 22h30, realmente, “a qualquer momento” pode começar. O diretor aguarda os intervalos comerciais da concorrência para colocar o seu programa no ar.
Com Globo e Record nos intervalos comerciais, mais espectadores podem sintonizar na Band no momento em que a atração da casa estiver começando. É o que acontece às 22h27 desta segunda-feira.
Clima na plateia
Ao final do primeiro bloco, um espectador é retirado da platéia. Ele é acusado de ter obstruído uma das câmeras do programa, com um casaco, violando as regras de comportamento determinadas pela produção. Alguém grita da plateia que não foi o menino que jogou o casaco. Rafinha Bastos se manifesta e pede que o verdadeiro culpado se acuse. Ninguém se manifesta. Ao final do programa, depois de rever as imagens do incidente, a produção chegou à conclusão que identificou o espectador errado.
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Na palma da mão: produtora pede aplausos |
O programa exibe matérias longas sobre o jogo entre Brasil e Argentina, em Rosario, e o lançamento do pré-sal, em Brasília. Marcelo Tas imita Lula ao chamar a reportagem de Rafael Cortez. Às 23h25, o próprio Cortez chega à Band para assistir o final do programa – e a plateia feminina vai ao delírio.
Tensão: o Ibope, minuto a minuto
Subo ao “switcher” para assistir à segunda metade da edição. Diego Barredo, Juan Buezas e outros dois argentinos comandam a operação. Barredo fica diante de um monitor de computador acompanhando o Ibope, minuto a minuto. O “CQC” começou com 1,6 e foi subindo. Às 23h09, alcançou o seu pico, com 7,5 pontos. O que era exibido na hora? “Nada especial. Era o break da Globo”, explica Barredo, tranquilo.
Buezas está tenso e irritado. Reclama de Marcelo Tas, que estaria demorando muito nas explicações de cada vídeo do “Top 5”. “Vamos, Marcelo!”, cobra Buezas pelo ponto eletrônico, conectado ao ouvido do apresentador. O programa está atrasado, ou seja, talvez não tenha tempo para exibir todas as atrações programadas.
O diretor vê o programa por seis câmeras diferentes. Também tem à disposição pequenas telas que exibem a programação de cinco emissoras concorrentes. Todos olham o tempo todo para o monitor do Ibope, que Barredo controla. “Quanto está?”, é uma pergunta frequente, que vem de todas as direções da sala.
Durante o intervalo comercial do “CQC”, Buezas e Barredo decidem mudar a ordem estabelecida no roteiro e cortar um dos quadros da edição, o “CQ Teste”. Logo a informação corre: “Vai cair o CQ Teste?”, alguém pergunta. “Vai.”
A disputa para ser “o oitavo elemento”
Assisto à disputa entre Rogerio Morgado e Marcel Oliveira pela vaga de oitavo integrante do programa. Os dois foram a um mesmo evento, uma festa de música sertaneja, e fizeram reportagens com o público e os músicos presentes. Ao final da exibição da matéria, com os dois no palco, ao vivo, Tas fala: “Vamos nos comunicar com o Sr. CQC, essa entidade suprema...”
Dentro do “switcher” um dos técnicos pergunta quem foi o vencedor. Não ouço quem respondeu, mas logo alguém está informando: “O gordo ficou”. “É o da direita.” São informações que ajudarão os técnicos que controlam as câmeras no palco. Mas Buezas grita: “O Marcel também!”. Ordem obedecida em segundos, a câmera que focaliza o perdedor também é acionada e uma imagem do outro candidato é exibida.
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Num intervalo, o repórter Rafinha Bastos chega no estúdio e é cumprimentado por Tas |
Já passa da meia-noite. O programa ficou com uma audiência média entre 4 e 5 pontos. Mais ou menos na média habitual. Está todo mundo com aparência cansada. À 0h16, Marcelo Tas está finalizando o “CQC”, fazendo agradecimentos, quando o diretor e seus assistentes já se levantam do “switcher”.
Lá embaixo, seguranças isolam o palco, onde ficam os apresentadores, da plateia, que ameaça invadir o espaço, em busca de fotografias com Tas, Rafinha e Luque. O trio atende a todos com educação. Enquanto isso, técnicos começam a desmontar o cenário.
Dez minutos depois, no camarim, Tas comenta a edição. Está cansado, também, e um pouco abatido pelos imprevistos, que obrigaram o corte do “CQ Teste”. “O programa começou muito bem. Aí a gente se empolga e o tempo estoura.” Tas conta que além deste quadro, havia uma outra matéria programada e algumas brincadeiras que foram cortadas por falta de tempo.
“O diretor ficou puto”, ele conta. “No meio do programa, pediu para eu dar uma acelerada.” Mas são incidentes normais, explica. O programa muda toda semana no ar. Na semana anterior, conta, Buezas estava tão irritado que falou com Tas pelo ponto eletrônico enquanto o apresentador estava no ar, falando ao vivo. Tas diz que ao final do programa, perguntou: “Posso fazer alguma coisa para você não ficar nervoso?”
É 0h30. Boris Casoy está no ar com o seu telejornal. Rafinha Bastos, de short, deixa o camarim do “CQC”. Luque, de banho tomado, veste-se. Tas despede-se do repórter, cansado, mas bem-humorado. “Eu agora tenho que acalmar o diretor”. Semana que vem tem mais.
Fonte: Último Segundo
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