Esta é a eleição mais chata da história. Pense em Dilma x Marina x Serra e lembrese dos duelos que já tivemos. Embates opondo carismáticos como Lula e FHC dão saudade. E dá vontade de chorar se cavoucarmos a memória até 1989, quando Maluf, Brizola, Covas, Collor e Lula mixavam os melhores momentos de Monty Python aos piores de A Escolinha do Professor Raimundo. Se não bastasse, durante boa parte da campanha, ninguém pôde fazer graça com os políticos por causa de uma proibição da legislação eleitoral. No fim de agosto, porém, o Supremo Tribunal Federal liberou as sátiras por meio de uma liminar (os juízes devem ter levado em conta que muitos candidatos não passam de uma piada). É hora de dar um basta a essa turma. Para evitar que só eles tenham o direito de nos fazer de palhaços, ALFA resolveu lançar uma chapa independente: Marcelo Tas.
Nosso candidato a presidente da comédia é um sujeito que trabalha duro para exercer o sagrado direito de tirar sarro da cara dos políticos. Além disso, passaria fácil no Ficha Limpa: construiu um belo patrimônio sem ostentação, teve três filhos em dois casamentos longos com mulheres interessantes e, apesar de uma jornada de trabalho de não menos que 10 horas diárias, participa intensamente da vida da família e cria a prole de um jeito bacana. Tas trata com naturalidade temas normalmente espinhosos, como a opção gay da primogênita, Luiza, uma estudante que vive em Washington e namora Rachel. Ele se destaca também pela combinação de elegância com despojamento, pela curiosidade intrépida em se meter tanto em ONGs na periferia de São Paulo quanto em incursões na Amazônia, pelo trato cortês, pelo jeito cidadão do mundo, por aliar uma aura de professor Pardal moderno com modos quase cândidos, mas nunca infantis. Tas é o cara.
À frente do Custe o Que Custar (CQC), na TV Bandeirantes, vice-campeão de audiência nas noites de segunda, o ator paulista Marcelo Tas, 50 anos, realiza o que prometia nos anos 80 com seu personagem Ernesto Varela, um repórter desajeitado que marcou época perseguindo políticos e celebridades com perguntas impertinentes (“Você é alguém?” era uma delas). Ele faz crítica social sem perder o humor, tendo um pé na incorreção política e outro no jornalismo cara de pau. Em outros termos, é a prova de que dá para arrebanhar um bom público e fazer a plateia rir na TV aberta utilizando a inteligência, sem respingar na baixaria (o público do CQC, em sua maior parte, é formado por adultos e famílias da classe A). “Acho 100% válido o estilo do CQC de crítica política”, diz Claudio Manoel, do Casseta & Planeta, que chegou a dar comício em São Paulo lançando a candidatura à Presidência de seu Crêysson, arrebanhando 6 000 “eleitores” em 2004.
“Tas e os outros CQCs são dignos representantes do humorismo jornalístico. Fecham um círculo iniciado com o antológico Varela.” Tas é admirado até por seus alvos. Para o presidenciável José Serra, “ele é um gênio”. No início da campanha, em maio, o tucano escolheu o CQC para dar sua primeira grande entrevista na TV aberta. Com média de 6 e pico de 12 pontos no Ibope (cerca de 1 milhão de espectadores e 12% da audiência do horário), o sucesso do CQC ultrapassa o círculo da TV. Tas é um dos campeões de audiência do Twitter, com 850 000 seguidores. A presença internética do humorista se estende ao Blog do Tas, mantido há sete anos, desde sempre um dos mais acessados do país. É um divulgador e um pioneiro no uso da rede — e, de certa forma, um pensador do fenômeno. Curador de um ciclo de palestras chamado Mundo Virtual: Relações Humanas, Demasiado Humanas, em agosto, afirmou que a imprensa de Gutenberg foi “o YouTube do Renascimento”.
No auditório da Bandeirantes, durante as gravações do CQC — os quadros são pré-editados, mas apresentados ao vivo —, o clima é de beatlemania. A fila de espera para participar da plateia chega a dois meses. Formado por estudantes entre 16 e 20 e poucos anos, o público ovaciona o trio de estrelas da noite. O ácido Rafinha Bastos e o aéreo Marco Luque, ladeando Tas na bancada do programa, são macacos velhos na stand-up. No ar desde 2008, o CQC é fruto da bem-sucedida parceria da emissora com a produtora argentina Cuatro Cabezas, que criou o programa original, Caiga Quien Caiga, franquia exportada para vários países após a associação com a multinacional holandesa EyeWorks.
Os políticos, naturalmente, são as vítimas principais do CQC. Um dos quadros que mais repercutiram foi ao ar em junho deste ano. A pedido da produção, uma série de deputados federais assinou um requerimento de apoio a um projeto para incluir 1 litro de cachaça na cesta básica. Minutos depois, a bela humorista Monica Iozzi, única mulher do programa, entrou em cena entrevistando os mesmos políticos. Ficou claro: a maioria havia assinado sem ler a criação da “Lei da Pinga”. Um deles, o deputado Nelson Trad (PMDB/MS), revoltado com a pegadinha, deu um safanão em Monica e agrediu o cinegrafista do CQC para fugir da entrevista.
O sucesso e a repercussão fizeram a concorrência tirar casquinha. A equipe do Legendários, da Record, conduzido por Marcos Mion, cantou vários integrantes do CQC. Danilo Gentili, um dos mais bem-sucedidos ao seguir Tas (ou malsucedidos, já que apanhou em diversas matérias de cunho político), quase envergou o uniforme laranja do Legendários. “Assediaram até nossos estagiários”, reclama Tas. “Parece que lá o dinheiro literalmente cai do céu”, completa. Além de cobiçar as estrelas do CQC, o Legendários replica a abordagem provocativa do programa de Tas em quadros como o de João Gordo se fantasiando de fiscal de trânsito para criticar a arrecadação de multas em São Paulo. A veia política entrou no cardápio até do popularesco Pânico na TV, que fez a apresentadora Sabrina Sato vestir uma cueca vermelha no senador Eduardo Suplicy, do PT. Arrependido do mico, o político pediu depois para o quadro não ser levado ao ar — e foi atendido. Embora se irrite com o assédio, ao falar da concorrência nosso candidato é… político. “Tem espaço para todos. A TV está feliz por causa do humor, todas as redes com cofres cheios.” Fato. O programa tem mais de 20 diferentes anunciantes e fatura cerca de 4,5 milhões de reais por mês (mais que o dobro da receita do Pânico). O departamento comercial da Bandeirantes coloca o CQC como segunda atração mais lucrativa da casa, atrás apenas do Jornal da Band. Além dos anúncios nos intervalos, o programa tem 11 inserções de merchandising, o que dá uma média de uma ação desse tipo a cada 6 minutos, performance digna dos canastrões das mesas redondas esportivas — e tome Tas, Luque e Rafinha aparecendo ao lado de logotipos de bebidas, carros, chicletes etc. Além de irritar o espectador, é expediente questionável do ponto de vista ético, pois muitas vezes os atores encarnam o papel de repórteres, cobrindo fatos e fazendo denúncias. Pega bem um jornalista atuar como garoto propaganda? “Zelamos pela independência e nenhum anunciante se mete no programa”, diz Tas.
Além de ser a principal matéria-prima de seu humor, a política esteve sempre presente em momentos importantes da vida pessoal de nosso presidente da comédia. Na infância em Ituverava, no interior de São Paulo, por exemplo, ele adorava beber sangria e comer sardinhas enquanto discutia política com o avô, duas vezes prefeito da cidade. Três anos mais tarde, mudou-se para Barbacena, em Minas Gerais, onde ingressou na Aeronáutica. Não se encaixou na vida militar, então seguiu para São Paulo para cursar engenharia civil na Politécnica da Universidade de São Paulo, que também não lhe fez a cabeça.
Tas só encontrou seu rumo quando, numa festa em São Paulo no começo dos anos 80, conheceu uns jovens recém-saídos da universidade que estavam criando uma produtora independente de vídeo: a Olhar Eletrônico. Um dos sócios, o hoje cineasta Fernando Meirelles, era o principal câmera. Nenhum integrante gostava de aparecer em vídeo. Para driblar a timidez, Tas criou o personagem Ernesto Varela. Repórter ficcional, Varela usava óculos vermelhos, gravatinha, voz estereotipada, tatibitate, cabelinhos de Woody Allen. O humor surgia espontâneo, da fricção entre os personagens reais e as perguntas inusitadas do repórter de mentira. “Ele era muito esperto”, elogia Meirelles, que na época incorporava o câmera Valdeci e até hoje é um dos melhores amigos de Tas. “Lembro que eu sempre o forçava a dar umas botinadas nos políticos, mas ele segurava a onda, nunca perdia o personagem. Sabia que no longo prazo a maneira ‘humilde’ e mineira do Varela colheria melhores frutos… E assim foi.” Mineiramente, Varela disparou à queima-roupa contra o então deputado federal Paulo Maluf: “O senhor é corrupto?” Nunca na história deste país um repórter tinha sido tão chato com um político, e ao dar as costas a Tas Maluf acabou tornando-o famoso em rede nacional.
De Varela a âncora do CQC, os escassos cabelos de Tas desertaram do couro cabeludo — que ainda assim é tratado com condicionador Neutrox para “manter a maciez”. Muitos quilos também foram acrescentados ao ex-magrelo, que domestica o peso com caminhadas esparsas e ioga semanal. É muita “tuitagem”, “blogagem”, palestras e workshops em faculdades e gravação de comerciais, fora as reuniões com a equipe. Para desconectá- lo do MacBook ou do iPhone, só no eletrochoque. A agenda pessoal está tão misturada à vida pública que às vezes ele passa cada dia numa cidade: “Tem semanas em que só sei o que fiz por causa do Twitter”, diz.
Quase não dá tempo de curtir o Santos, time do coração, ou os filhos Clarice, 4, e Miguel, 8. Luiza, do primeiro casamento, com a figurinista Claudia Kopke, estuda direito internacional na American University, em Washington. Numa recente visita aos Estados Unidos, Tas conheceu Rachel, a namorada de Luiza, e ficou hospedado no apartamento da filha e da nora. “Me levaram para comer no Ben’s Chili Bowl, pé-sujo antológico de DC, lanchonete favorita do casal Obama”, afirma Tas. Como foi lidar com a escolha da filha? “A Luiza manifestou essa opção ainda no colégio. Na época, conversamos com ela e com os orientadores da escola. Foi importante deixar que a escolha fosse dela e que uma eventual pressão de colegas homofóbicos fosse acompanhada. Felizmente, não houve nenhuma questão mais grave sobre sua opção. Que, é bom lembrar, é de caráter pessoal”, diz.
Tas considera essa questão tão bem resolvida na família que se permite fazer piadas de gays no CQC. Em julho, na semana em que a Argentina aprovava o casamento gay, o programa realizou reportagens brincando com o tema. Abordar o casamento gay com irreverência não traz ruídos ao relacionamento entre pai e filha? “Luiza é de uma geração tranquila quanto ao assunto — bem menos conservadora e bobinha que a minha ou a de meus colegas de CQC. Aliás, não deveriam cobrar coerência de quem trabalha com humor, que é uma lente livre com que miramos a realidade — até para expor os preconceitos”, afirma.
Ganhar a vida com o humor não significa que Tas deixe de levar seu ofícios a sério. Em junho, durante um de seus milhares de trabalhos paralelos, a gravação de um audiobook, ele pedia para repetir as frases que, a seu ouvido, não soavam de modo apropriado; ao notar uma escorregadela mínima na dicção, parava, respirava e começava tudo de novo — sintoma do “perfeccionismo quase doentio”, como um colaborador próximo chama essa mania, assumida pelo próprio, por sinal. “Tenho aflição com o desmazelo”, afirma. A ex-mulher, a figurinista Claudia Kopke, acha que Tas já foi mais intolerante. “Hoje ele está mais maduro”,diz ela (e elogio de ex-mulher vale o dobro).
A vaidade, comprovada pelas quase 100 fotos dispostas em seu pefil no Facebook, aparece como outro traço importante. Quando não está de “homem de preto”, o uniforme do CQC, Tas combina paletós confortáveis com tênis coloridos, uma camiseta de personalidade — do time da Holanda, por exemplo — e um boné, que lhe torna quase invisível ao fazer desaparecer sua careca. O presidente da comédia curte a fama e gosta do reconhecimento popular. “Quando chego ao Capão Redondo, sempre ouço um ‘e aí, Tas?’ ”, conta. Mas ele é mais conhecido no populoso bairro da zona sul paulistana por sua atuação social do que pela TV. Ali é voluntário da Casa do Zezinho, premiada ONG tocada por Tia Dag, que tem projetos educacionais voltados para jovens. “Lá sou uma espécie de ‘hub’: levo brasileiros e gringos para conhecer o Capão. A única maneira de entender a periferia é ir lá, ver filme não adianta. Levei holandeses da fundação Prince Claus e os caras doaram um estúdio para fazer CDs.”
Tas mora bem longe do Capão — no Jardim Paulistano, bairro mais valorizado da cidade, numa belíssima casa. A sala, de uns 70 metros quadrados, é de um ecletismo minimalista. Há quadros de orixás, esculturas de anjos barrocos, um Buda, uma imagem de Krishna — e uma de Mao Tsé-tung. Álbuns de rock dividem espaço com um piano alemão, sobre o qual se abre uma sonata de Mozart (ele pratica nas horas vagas). Em seu escritório, nos fundos da casa, há uma lousa com as obrigações semanais e uma mesa com um porta-CDs que armazena os 27 anos de trabalho — entre 1983 e 2010, passou por todos os canais da TV aberta, como ator, diretor, apresentador ou roteirista: Castelo Rá-Tim-Bum e Metrópolis, na Cultura, Saca-Rolha, no 21, Netos do Amaral, na MTV, Programa Legal, na Globo. A carreira bem-sucedida lhe permitiu comprar a casa em São Paulo, outra no interior do estado e um 4X4 da Subaru. Já o salário, o candidato sonega — a informação, queremos dizer (segundo fontes da emissora, Tas embolsaria por mês 100 000 reais, entre salário e participação nos merchandisings do CQC). “Ainda não ganho o suficiente para realizar meu sonho de consumo: uma estadia de 15 dias na Estação Espacial Internacional, que custa 20 milhões de dólares…”
É no escritório da casa no Jardim Paulistano que começa sua jornada de trabalho. “Uma mestra hindu me disse que a gente sempre se angustia com o passado e fica ansioso com o futuro, e não está no único lugar que pode mudar a vida: o presente”, afirma o humorista. As crianças e o trabalho pesado reduziram sua ligação com a boemia, o que tem feito Tas passar mais tempo em casa, onde gosta de cozinhar uma pasta com cogumelos para os amigos. Entre os parceiros próximos estão o editor Alfredo Bylik, padrinho da filha Clarice, o ator Pedro Cardoso e o eterno parceiro Fernando Meirelles.
“É uma dificuldade você sentar com um amigo e não encher o saco dele falando de grana e trabalho, deixando espaço para tocar no que é realmente importante”, afirma Tas. E o que seria tão importante? “A morte”, diz ele, que tem se mostrado aberto, nos últimos tempos, a experiências místicas. Como a recente descoberta da ayahuasca. “Foi uma viagem profunda. Exige ousadia. Se você se prepara e pergunta coisas, as respostas são claríssimas. Fiquei impressionado com as imagens… Uma hora, por exemplo, eu me vi perguntando ‘puxa, mas não vai fazer nenhum efeito?’. De repente, um camelo me apareceu respondendo que era assim mesmo…” Em seguida, cerra o cenho, como se o Varela sumisse para dar lugar ao professor Tibúrcio: “As pessoas têm de pensar muito antes de tomar, viu! Não é diversão. É… uma experiência espiritual, sabe?” Ao se despedir, Tas muda rápido o canal e se volta para um último “trocadalho”: “Bem, agora é a minha vez de entrar em alfa…” Ok… O nosso candidato a gente deixa.
Plataforma política
Pedimos a nosso candidato Marcelo Tas que detalhe suas propostas para um Brasil melhor
O PIOR PROBLEMA DO PAÍS “Nossa principal questão é o desperdício. Quase metade da água tratada vai para vazamento! Aqui, a gente pode passar fome porque sabe que uma hora vai cair um cacho de banana na cabeça”
CORREÇÃO POLÍTICA E PHOTOSHOP “Queremos mulheres com celulite, imperfeições, gostosinhas como são! E não existe isso de ‘não atire o pau no gato porque o gato é nosso amigo’: o gato tem mais é que levar pau”
REFORMA POLÍTICA “A gente precisa começar a botar o pessoal pra ajoelhar no milho! Pegar político e dar palmada, puxão de orelha, botar de castigo, colocar pimenta na boca”
CONCESSÕES DE TV “Deveriam ser revistas, porque os caras se elegem por causa das TVs… E têm as TVs porque se reelegem“
OLIMPÍADA “Primeiro, o Rio tem de organizar a fila do táxi no aeroporto. Eu colocaria no Bangu 1 todos os taxistas que trabalham no Galeão e no Santos-Dumont, imediatamente!“
TWITTER NO PODER “Jamais ‘tuitarei’ no meu governo! Se dirigir, não ‘tuíte’. Se beber, não ‘tuíte’. Tem que ter um bafômetro no computador. É uma bebedeira interminável, fica registrada”
EDUCAÇÃO “Temos de transformar as escolas em gigantescos ‘poupatempos’: abrir imensas mesas cheias de computadores e liberar para o pessoal mexer e processar”.
BANDA LARGA X BUNDA LARGA “Deixar as pessoas em casa aumenta a obesidade! Vou convocar psiquiatras, iogues, nutricionistas, para arrancar as pessoas dos computadores".
Fonte: Revista Alfa
0 comentários:
Postar um comentário